1-Introdução "Se a associação livre foi considerada, na sua origem, a "regra de ouro" da psicanálise, a atenção flutuante ´o seu correspondente para o analista" Osmar Luvison Pinto (2006, p. 59) Quando Sigmund Freud, pai da psicanálise, aceitou a sugestão de sua famosa paciente e também paciente de Breuer, que ficou conhecida como Anna O., para que não utilizasse a hipnose como recurso terapêutico e apenas a escutasse, uma revolução na forma de entendimento do sofrimento psíquico ocorreu. A partir daí nasceu a psicanálise, considerada a cura pela fala, ?regra fundamental? da técnica analítica. Mas essa verdade não se firma como a única, pois a psicanálise é uma cura pela fala sim, mas também pela escuta; esses dois elementos são fundamentais ao trabalho clínico (FREUD, 1996). É importante destacar a atenção flutuante de Freud, como sendo a escuta do inconsciente, não somente no sentido do que se ouve ali, mas sobretudo no sentido de que, só dessa forma, é possível escutar verdadeiramente. Utilizando o método simples da associação livre, que consiste em deixar o paciente falar livremente tudo que lhe vier à mente, sem objeções ou qualquer tipo de censura, Freud percebeu algo interessante. Falar diante de um psicanalista empático, atento, com o qual há um vínculo de confiança, é essencial para que as pessoas possam expulsar seus fantasmas interiores. A escuta dos pacientes é uma ação necessária para o tratamento e, saber ouvi-los, é uma verdadeira arte, um ato de amor (FREUD, 1996). 2-Diferença entre escuta analítica em relação a escuta comum O tratamento analítico, que tem como base a comunicação entre analista e paciente, parte do pressuposto que as comunicações do paciente permitem a emergência de conteúdos inconscientes, que podem ganhar significações a partir da escuta e da interpretação do analista. Essa interpretação pode ser por relatos do cotidiano, por lembranças da infância e também através da revelação de um sonho, pois a escuta do sonho pode ser um despertar para a vida, por trazer seus conteúdos e principalmente seus maiores desejos reprimidos, vindos do seu inconsciente (FREUD, 2019). A escuta analítica, é vista como uma ferramenta fundamental na psicanálise, que podemos chamar ?A arte da escutatória?. O psicanalista não apenas ouve, como é a sua prática na escuta comum, mas sim escuta atentamente o outro. Podemos dizer que o ouvir é fisiológico, uma percepção de sons, barulhos, algo que facilmente podemos ignorar ou colocar de lado, já o escutar é diferente, é dar atenção, é observar o que o outro nos traz.? A regra da atenção flutuante usada na psicanálise, não é fragmentada, ela consiste simplesmente em não colocar atenção em algo específico, mas sim mantê-la suspensa em face a tudo que se escuta (FREUD, 1996, p.149-150). A atenção flutuante vem a ser a contrapartida da associação livre, quando acontece o discurso do outro, tudo que ele traz importa, o todo é considerado para o processo de análise, até o que não se diz. Outra regra utilizada por parte do analista durante a escuta, é a neutralidade, extremamente importante, pois ele não opina, não julga e não leva suas crenças para o setting analítico. Pelo contrário, se despe de tudo que acredita para propor uma escuta atenta, dedicada ao outro. O analista não aconselha, não aponta o certo e o errado, deixa o analisando falar livremente, sua atenção flutua em busca dos materiais inconscientes, para que através de seu manejo possa devolvê-los ao próprio analisando, o qual nunca mais será o mesmo, pois atentar ao inconsciente e trazê-lo para o consciente é de fato transformador (FREUD, 1996). 3-A ?escuta? através do silêncio e outras comunicações não verbais Em O seminário, Lacan comenta que ?A ordem humana se caracteriza pela função simbólica que intervém em todos os momentos e em todos os níveis de sua existência?, não se pode deixar de relacionar ao fato que o registro simbólico está atrelado a regras introjetadas nos seres humanos e que o silêncio não é simplesmente a falta de palavras, mas uma forma de expressão em si mesma (LACAN, 1985, p. 44). Com medo de trazer o simbólico construído e o desejo de desconstruir alguns ou muitos desses, o sujeito aliena-se de si, se calando (LACAN, 1985). Segundo Salman Akhtar,, ?A escuta analítica? (2018, p.15 e p.16), coloca o silêncio no mesmo patamar da fala, enfatizando que ambos têm a habilidade de servir a objetivos similares. Ambos podem ocultar e expressar conteúdos psíquicos. Ambos podem defender contra pressões pulsionais e ambos podem auxiliar a descarregar essas tensões. Ambos podem comunicar transferência, a qual é de extrema importância para que o analisando se comunique com seu analista. Ambos podem induzir e evocar sentimentos contratransferenciais. Ambos podem facilitar ou impedir o progresso do processo analítico (AKHTAR, 2018). O silêncio numa sessão de análise pode ser causado por diversos fatores, como ansiedade, dificuldade em expressar emoções, resistência ao processo de análise ou até mesmo uma pausa necessária para reflexão. Diante disso, o analista deve acolher o silêncio do paciente e estar atento aos possíveis significados que ele pode ter, pois o conceito de silêncio em Lacan, como se percebe, vai além da mera ausência de palavras, é uma presença significativa que pode revelar muito sobre o sujeito. Ele acredita que o silêncio pode ser uma forma de comunicação não verbal, carregada de significados e simbolismos. Acreditamos então, que na ausência de palavras, o analista precisa usar da sua atenção flutuante para escutar ?o silêncio? trazido pelo analisando, através de qualquer sinal que lhe é oferecido, seja sinais do corpo, habilidades comportamentais e análise do comportamento do outro, pois são algumas formas de comunicações não verbais querendo ser expressas (AKHTAR, 2018). 4-O paciente e a escuta de si mesmo ?O inconsciente do médico é capaz, a partir dos derivados do inconsciente que lhe são comunicados, de reconstruir esse inconsciente, que determinou as associações livres do paciente?. Sigmund Freud (1996, p.116) Antes de comentar sobre a ?escuta de si mesmo? relacionada ao paciente, é válido destacar o quanto é necessária a escuta de si mesmo do analista para que ele possa reconhecer os próprios movimentos do seu inconsciente e, saber lidar com os conflitos do Id, Ego e Superego. O analista acessando seus conteúdos inconscientes, num trabalho em análise no lugar de analisando, é mostrar sua capacidade de humildade em reconhecer que só pode ir com o outro até onde conseguiu ir com ele mesmo. É através da fala no setting analítico que o paciente ?se escuta?. Isso ocorre com a ajuda do analista, promovendo uma maior consciência sobre o que esse paciente sente, ampliando a ideia de si mesmo. Através dessa escuta ele consegue colocar em prática desejos reprimidos e recalcados, causando uma sensação de libertação, sendo um dos meios da diminuição dos seus sintomas. Quando o paciente se expressa por comunicações não verbais, o analista precisa ter um manejo propício para haver essa escuta por parte do analisando, através da interpretação e fala do analista. Se assim for, o paciente é capaz de deixar o que lhe foi assujeitado (tudo que assumiu do outro nele, distanciando do seu ?EU?), caso esse assujeitamento não esteja lhe fazendo bem. Afinal o autoconhecimento é para saber de si e dos seus próprios desejos e não para suportar para sempre, tudo aquilo que lhe foi introjetado dos outros. Essa escuta de si mesmo por parte do paciente, precisa acontecer independe do tempo da sessão analítica usada pelo analista, seja ela de cinquenta minutos, seja sessões mais curtas ou até mesmo práticas de sessões de duração variável. O importante é perceber e levar em consideração que, ?o tempo de compreender está ligado essencialmente à singularidade do sujeito e ao tempo que, para ele, é preciso dispor? (COUTINHO 20022). 5. Considerações finais Nesse artigo procuramos esclarecer alguns pontos fundamentais para que a escuta analítica possa acontecer de forma profícua durante as sessões de análise, a fim de abrir espaço para que o analisando consiga ocupar esse lugar, que é seu, num lugar de fala. Acredita- se que só com uma escuta levada a sério, pautada na ética do analista, é que o paciente consegue falar e se escutar, seja através de comunicação verbal ou em alguns momentos, através de comunicações não verbais. Dessa forma, torna-se possível que o paciente entre em análise e com o transcorrer da mesma, começa a surgir o novo, pois certos padrões e regras que foram assumidas com o passar dos anos, talvez não seja de fato do sujeito que está diante do analista. Através da aproximação do analisando consigo mesmo é possível diminuir o sofrimento e os sintomas trazidos por ele no setting analítico. Para que isso aconteça, precisa existir não apenas o desejo do indivíduo, que está na poltrona ou no divã para realizar seu tratamento, mas também e, principalmente, o desejo do analista que está realizando o atendimento. Desejo esse que se refere ao desejo da escuta analítica, não apenas do outro, mas de si mesmo. Referências: AKHTAR, S. Escuta psicanalítica: métodos, limites e inovações. São Paulo: Blucher, Karnac, 2018. COUTINHO, J. M. A. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan: Vol. 4: O laboratório do analista/ Marco Antônio Coutinho Jorge. 1ª ed. - Rio de Janeiro. Zahar Editora, 2022. FREUD, S. Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise (1912). In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução Paulo Cesar de Souza. ? 1ª ed. ? São Paulo: Companhia das Letras, 2019. ? (Obras Completas) LACAN, J. O Seminário: Os ?eu? na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. (1954-1955). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1985.